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"É possível fazer ajuste fiscal melhorando a vida das pessoas", diz Ana Paula Vescovi

A economista-chefe do Santander Brasil, tem um profundo conhecimento de Brasil e Espírito Santo. Foi presidente do Instituto Jones do Santos Neves e Secretária de Estado da Fazenda

Vitória
Publicado em 31/05/2025 às 03h00
Ana Paula Vescovi, esconomista-chefe do Santander Brasil
Ana Paula Vescovi, esconomista-chefe do Santander Brasil. Crédito: Divulgação/Santander

Ana Paula Vescovi, economista-chefe do Santander Brasil, tem um profundo conhecimento de Espírito Santo. Foi presidente do Instituto Jones do Santos Neves e Secretária de Estado da Fazenda em governos de Paulo Hartung. Saiu do Estado, em 2016, para assumir altos cargos em Brasília, onde chegou a assumir a Secretaria do Tesouro Nacional durante o governo de Michel Temer. Trata-se de uma profissional das mais estudiosas e que conhece como poucos os meandros da economia brasileira.

Mesmo diante de seu conhecido senso de realidade, Ana Paula se mostra otimista com o que temos pela frente, mas, claro, como boa professora que é, alerta para os deveres de casa. "Se o Brasil fizer o dever de casa, os diferenciais serão cada vez mais notórios. Colher as oportunidades desse mundo novo, que está mesmo se reconfigurando, depende de nós".  

Ana Paula Vescovi estará em Vitória na terça-feira (03), para uma conversa com investidores.

O que a senhora achou dessa decisão do governo sobre aumentar o IOF (Imposto sobre as Operações Financeiras), que acabou virando mais uma crise?

Surpreendeu o instrumento. Eles (governo) vêm em uma esteira, nos últimos dois meses, para tornar a peça (orçamentária) mais crível. Então, algumas receitas que o próprio governo estava vendo que não vieram, caso das do Carf (Conselho de istração de Recursos Fiscais, onde são julgados, de maneira istrativa, embates tributários entre governo e contribuintes), foram retiradas. Algumas despesas foram reestimadas para cima. Então, houve um esforço para tornar a peça mais realista da que foi aprovada em abril pelo Congresso. Surpreendeu o aumento do IOF por ter se tornado um instrumento bastante controverso. O IOF é um imposto regulatório (o objetivo não é arrecadar, mas regular determinada atividade) e o Brasil já havia assumido um compromisso com a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) de fazer uma redução gradual e uma zeragem desse imposto. Sabemos da necessidade de o governo arrecadar frente ao desenho da política fiscal estabelecida com o novo arcabouço, mas de fato trata-se de um imposto que é distorcivo. O IOF tem a característica de aumentar a cunha fiscal dentro dos spreads bancários (diferença entre a taxa de juros que os bancos pagam aos poupadores e a taxa cobrada dos que tomam empréstimos). Então, tivemos esse susto, o governo reconheceu alguns itens que são os mais controversos, voltou atrás, e ainda há uma discussão pendente sobre o IOF em cima das operações de crédito das empresas, que já estão muito premidas pelas altas taxas de juros do Brasil.

Mais uma vez o governo tenta fazer o ajuste pelo lado das receitas. Qual o caminho possível pelo lado das despesas?

O caminho é a contenção dos gastos públicos. O governo tem feito um esforço para conter os chamados gastos tributários, que são subsídios a determinados setores que estão dentro do sistema de tributação, mas isso também aumenta carga tributária. Também dentro do sistema tributário tem sido feito um esforço, por parte do governo, para melhorar a composição, a qualidade dos impostos. Foi feita uma reforma tributária importante, com ganhos que veremos mais à frente, que racionaliza o sistema de pagamentos de impostos em cima de bens e serviços. Ainda há espaço para melhorar a tributação em cima da renda, para torná-lo mais equitativo e justo. Mas, de fato, o aumento de carga vem acontecendo mais recentemente e o que observamos é o Congresso dando sinais, principalmente vindo das empresas, de que esse excesso de carga começa a sufocar o ambiente econômico. A nossa dívida pública é crescente, portanto, este é o principal sinal de que não conseguimos estabilizar o desequilíbrio das contas públicas no Brasil. O ajuste é necessário.

Fala-se muito em desengessar o orçamento, na questão dos reajustes do salário mínimo... O caminho é por aí?

É isso. O ponto positivo é que temos um diagnóstico muito claro e uma prescrição muito assentada do que fazer. O diagnóstico a por um orçamento ultra engessado. Mais de 90% das despesas são obrigatórias, indexadas, vinculadas e isso deixa quase nada de espaço para fazer qualquer outra coisa. Sobra quase nada para investimento, por exemplo. É uma sociedade que precisa rediscutir o desenho de seus programas, basicamente são programas sociais que estão dentro do orçamento, e essa é a principal fonte do ajuste. A outra boa notícia é que é possível fazer isso no Brasil melhorando a focalização desses programas e o seu impacto sobre as pessoas. Vou traduzir: no Brasil, é possível fazer um ajuste fiscal responsável, reduzindo o crescimento das despesas do governo e melhorando a vida das pessoas. É possível focalizar os programas, melhorar as exigibilidades, cortar desvios, ou seja, públicos que estão se beneficiando, mas não deveriam. Há uma outra linha, também muito discutida, que está no fato de o Brasil ter 6% do PIB com gastos tributários. São benefícios e incentivos fiscais. É possível rever e acho que demos um o importante com a reforma tributária, com o ajuste que foi feito em cima dos impostos de bens e serviços. Grande parte desses incentivos está nos bens e serviços. Estamos falando de benefícios históricos e muito defendidos, caso do Simples Nacional, da Zona Franca de Manaus, restituição dos gastos de saúde no Imposto de Renda... Há um espaço grande para revisão. Há muita controvérsia, sabemos, mas, se o país quiser conviver com taxas de juros mais baixas, custo de capital compatível, mais investimentos e mais empregos, temos que discutir isso com profundidade. Não tem mais aquela bala de prata para resolver, é um conjunto de ações, mas temos que ter prioridades.

Ana Paula Vescovi

Economista

"Mais de 90% das despesas são obrigatórias, indexadas, vinculadas e isso deixa quase nada de espaço para fazer qualquer outra coisa. Sobra quase nada para investimento, por exemplo"

Como a senhora está vendo esses primeiros meses do novo governo Donald Trump?

Tudo o que está acontecendo foi objeto de debate durante a campanha eleitoral. Falo das tarifas, o planejamento fiscal do governo dos próximos dez anos, a redução de alguns impostos, o Doge Commission (departamento de eficiência que era comandado pelo bilionário Elon Musk), a questão da imigração... Do ponto de vista econômico, os mercados estão se surpreendendo bastante com a intensidade de algumas dessas medidas, caso das tarifas. Há uma reação de outros países e o que estamos vendo, que também não estava no radar, é um enfraquecimento do dólar e uma elevação nos juros de longo prazo dos Estados Unidos. Acho que vamos ar por uma grande transformação da economia mundial, trata-se de uma mudança de regime do comércio internacional. Teremos um comércio mundial mais fragmentado. Há uma preocupação muito debatida sobre aumentar a autonomia de cadeias produtivas estratégicas: tecnologia, militar, o a minerais raros, energia e até de bens ligados à saúde. Acho que haverá um redimensionamento e uma realocação das cadeias produtivas pelo mundo. O desenrolar desse processo poderia trazer, por exemplo, inflação, mas aí temos essa enorme injeção de tecnologia, a inteligência artificial, que está vindo e ainda não sabemos como esse choque pode conter esse processo estaginflacionário global. É um tema que será discutido por longos anos.

Que oportunidades que se abrem para o Brasil?

Há um entendimento de que o Brasil está bem posicionado neste novo contexto. O Brasil tem, historicamente, uma diplomacia mais neutra, está distante geograficamente dos conflitos do mundo e tem o que o mundo inteiro vai precisar: energia, minerais raros e tradicionais, alimentos... Portanto, um posicionamento muito bom. Aqui, voltamos ao começo da conversa. Se o Brasil fizer o dever de casa, os diferenciais serão cada vez mais notórios. Colher as oportunidades desse mundo novo, que está mesmo se reconfigurando, depende de nós.

A senhora está falando de educação, do fiscal...

Melhor ambiente de negócios, ajuste das contas públicas, melhor nível de educação. Aliás, educação é uma questão moral do Brasil. Precisamos fazer mais pelos nossos jovens. Tem a questão da segurança pública, de combater o crime organizado, a insegurança urbana...

Ana Paula Vescovi

Economista

"Educação é uma questão moral do Brasil. Precisamos fazer mais pelos nossos jovens"

Diante de todo este cenário, e ainda temos a aproximação da das eleições, o que a senhora está prevendo para PIB, inflação e juros?

É uma economia que ainda está forte e resiliente, mas tende a desacelerar com os juros altos. Provavelmente o Banco Central vai parar de subir juro, deve ficar em 14,75% ao ano, mas é um desafio para a próxima reunião, já que os dados mais recentes mostram uma economia ainda forte e com mercado de trabalho ainda resiliente, isso traz desafios para a inflação de serviços, por exemplo. A previsão de PIB é de 2%, mas o viés é altista. A inflação segue sendo o desafio, a convergência para a meta está ficando muito longa, isso pressiona muito as taxas de juros. Vemos uma inflação de 5,4% em 2025 e de 4,5% no ano que vem. Aliás, surpreende a resiliência da economia em condições financeiras tão apertadas por tanto tempo.

A senhora já disse que gostou da reforma tributária como um todo. Em princípio, o Espírito Santo perde arrecadação e os incentivos fiscais. Cenário desafiador, qual é o nosso dever de casa?

É um tema muito relevante para o Estado. Ao longo do tempo foram sendo criados uma série de incentivos e benefícios associados à produção e isso será revisto. Vão ser criados uma série de mecanismos de compensação, chamo atenção para o Fundo de Desenvolvimento Regional. A União vai fazer aportes ao longo do tempo e esse dinheiro será distribuído em função das eventuais perdas com a reforma. Aqui tem uma mudança importante. Haverá recursos para subvencionar projetos prioritários para o Estado, não mais subsidiar. Isso não vai ficar mais em cima de redução de imposto, base cálculo ou alíquota, que são os mecanismos tradicionais. O recurso do fundo terá de transitar pelo orçamento do Estado e vai virar uma despesa para subvencionar atividades e cadeias produtivas que a sociedade entenda como meritória. Isso tudo dentro do orçamento, sob o escrutínio dos impactos ao longo do tempo... Vai ser um processo muito mais transparente em termos de avaliação e escolhas públicas. Essa mudança vai ar por um diferencial de gestão. Os gestores, estaduais e municipais, terão de entender de estratégia, terão de ser muito mais estratégicos. Esse vai ser o grande diferencial de quem vai aproveitar bem esses recursos e de quem vai perder as oportunidades. É importante a sociedade entender isso.

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